Dois anos atrás, em fevereiro de 2017, dois meses depois de ter deixado o cargo de engenheira de software do Uber, Susan Fowler publicou um post em seu blog que pode ser considerado o marco extra oficial da série de escândalos de assédio sexual envolvendo grandes corporações, líderes políticos e artistas do primeiro time da indústria de entretenimento que ganharam as manchetes de grandes veículos não como fofoca, mas como parte de um sistema opressor e covarde cujas responsabilidades e consequências para as vítimas precisavam ser reconhecidas por seus protagonistas na jornada por uma sociedade mais próxima da igualdade e da justiça.
Duas semanas atrás, ela mandou para seu editor o rascunho do livro que escreveu sobre a história em que derrubou um gigante. As coincidências envolvendo o número dois e a jornada revolucionária de Susan, justamente no momento em que, de acordo com a própria autora, falou sem restrições pela primeira vez sobre o assunto em público, estão alinhados com o seu significado para os místicos com uma queda para a matemática. O dois representa a energia feminina, a harmonia, o equilíbrio entre forças opostas – todos valores pelos quais a agora editora do New York Times decidiu lutar quando postou as denúncias da cultura de assédio sexual e moral incentivada dentro do Uber no post “Refletindo sobre um ano muito, muito estranho no Uber” – que viria a culminar com a queda do CEO da empresa e a revisão das lideranças e da cultura de trabalho na companhia.
“Quando você decide que o mundo não pode ser assim, torna-se parte da força que pode mudá-lo”, afirmou Susan. “E o mundo muda em pequenos passos, é verdade, mas nos últimos anos passos extraordinários foram dados”, avaliou, enquanto relatava as transformações na sociedade, no vale do Silício e na indústria de tecnologia desde que deixou ao Uber chutando a porta da frente. “Agora as pessoas sabem quem são as companhias com ambiente tóxico, quais são os gestores ruins. Sabem, principalmente, o que podem e devem fazer caso sejam vítimas de assédio. É possível dizer: ‘fui vítima de assédio sexual, bullying e abuso’. Isso não é mais tabu”.
Para que o mundo siga mudando não basta que existam regras: é preciso cumpri-las, fiscalizá-las. Susan lembra que o próprio Uber tinha diversas políticas de diversidade e inclusão. Havia também mulheres em cargos de liderança. Isso não foi o bastante para transformar o lugar de trabalho em um ambiente construtivo. As ameaças de demissão e de que nenhuma outra empresa de tecnologia contrataria um profissional envolvido em casos como o de Susan mantinham o silêncio como ordem. Até que ela decidiu, como afirmou, dar novos rumos ao seu próprio destino.
“Não há nada mais poderoso do que alguém compartilhando sua própria história, sendo vulnerável. É constrangedor assumir que fui vítima de assédio sexual. Ainda sinto meu estomago embrulhado quando digo isso”, revelou, antes de compartilhar com a plateia cinco simples lições que a encorajaram a lutar mesmo diante de um adversário aparentemente imbatível.
1- Há mais pessoas boas do que ruins no mundo, apesar de o inverso parecer verdadeiro.
2- Programas de diversidade e inclusão não são o bastante. É preciso ação.
3 – Não é preciso ser um ativista para mudar o mundo.
4 – Mudanças acontecem durante uma vida toda, não de uma hora para outra.
5 – As palavras certas podem mudar o mundo.
Por Jonas Furtado em Meio & Mensagem