Propaganda vive desafio de ser relevante com nova identidade

(Crédito: Divulgação)

Propaganda também tem dia. A data desse instrumento que fomenta negócios e construção de marcas é comemorada nesta segunda-feira, 4 de dezembro. A atividade está passando por mudanças sintomáticas, mas, independentemente da forma, canais e metodologia, continua sendo essencial para a interação das marcas com pessoas de todas as gerações e núcleos de consumo.

Dados da WFA (World Federation of Advertisers), apenas de seus associados, que representam 90% do investimento global em publicidade, mostram que o volume anual é de US$ 900 bilhões. Na verdade, o PIB da comunicação de marketing em todo o mundo ultrapassa a marca de US$ 1 trilhão. No Brasil, pela métrica da Kantar Ibope Media, 3 anunciantes injetaram R$ 132 bilhões em 2016.

O temor em relação à subtração de investimentos com o digital já é coisa do passado. Na verdade, novas oportunidades estão surgindo e essa transição para uma era na qual a propaganda não tem cara de propaganda exige algo além dos elementos meramente estéticos e da escolha certa dos canais.

A Grey Brasil realizou recentemente um evento para debater esse novo jeito de abordar as audiências. Na oportunidade, Renato Meirelles, sócio e diretor do Instituto Locomotiva Pesquisa & Estratégia, detalhou o estudo Comunicação pela lógica da demanda, o desafio de conversar com o consumidor do século 21. A análise mostra que para 56% dos clientes a qualidade é item crucial e há uma menor satisfação após uma compra nos PDVs.

O Locomotiva também aponta que 101 milhões dos consumidores não confiam nas empresas, ou seja, quase a totalidade da população economicamente ativa do Brasil. Mais: 103 milhões não se identificam com a publicidade exibida na TV. Para o instituto, “infelizmente o mercado usa as lentes do século 20 para entender a sociedade de consumo do século 21”. O Propmark ouviu o mercado para debater essa questão que tanto aflige a publicidade, uma indústria que movimenta as demais indústrias.

Relevância

Para Suellen Mendes, gerente-geral de marketing do UOL, as pessoas são expostas a mais de cinco mil mensagens, citando uma estimativa do Instituto Yankelovich Consumer Research. Em sua opinião, o desafio para as marcas é não se tornarem invisíveis nesse contexto.

“É importante associar-se a conteúdo de qualidade, de credibilidade e com transparência, assets imprescindíveis para o sucesso de qualquer campanha. Além disso, o mercado tem demandado cada vez mais projetos diferenciados que envolvem produção de conteúdo associado a live marketing e a ações em ambiente físico”.

Relevância e efetividade estão acima dos formatos na visão de Fabiano Coura, diretor-geral da RG/A. “O que vem mudando é que muitas das novas plataformas de distribuição permitem uma assertividade muito maior, o que acaba por elevar também a expectativa das pessoas em consumirem uma propaganda mais dirigida a elas e aos seus diferentes momentos de vida. A propaganda sempre pautou ou foi pautada pela cultura e pelos comportamentos emergentes. Na estética e na linguagem, as redes sociais mudaram permanentemente a maneira como as pessoas consomem conteúdo, se informam, conhecem produtos e marcas e validam sua reputação. No formato, os novos hábitos on demand de consumo de conteúdo criaram um novo padrão: o de poder escolher, a qualquer momento, o que se quer ver. Então me parece que o desafio da nova propaganda é ser o que as pessoas querem consumir, independentemente da cara ou do formato”, argumenta Coura.

O branded content é a alternativa para esse momento? Coura responde: “O ponto é que acho que metáforas estão com os dias contados, porque o tempo está cada vez mais escasso para sacadas criativas. As pessoas estão mais interessadas em demonstração de produtos, em entender na prática o que determinado produto oferece, sem enrolação. É só ver o enorme sucesso dos canais do YouTube de review. As pessoas vão até esses canais porque precisam preencher o gap cognitivo grande que é deixado pelos formatos mais tradicionais de propaganda”.

Evolução

A nova propaganda se faz todos os dias. A expressão é de Luiz Sanches, co-CEO e CCO da AlmapBBDO. “A sociedade está evoluindo – apesar e por causa das crises – e a propaganda tem de acompanhar esta evolução. Ela precisa entender as lutas, os desejos e as conquistas da sociedade em que está inserida. Tem de estar aberta para ouvir e estabelecer um diálogo com o consumidor que, cada vez mais, quer marcas que sejam cúmplices e defensoras de seus valores. As marcas, por meio da propaganda, devem oferecer ao consumidor informação, entretenimento, conteúdo e cumplicidade em todas as plataformas possíveis. Alguns exemplos são as webséries da cerveja Antarctica e do Polo, da Volkswagen; o Põe no Waze, também da VW; Nosferatu, para Getty Images; e as campanhas de Havaianas e de O Boticário”, argumenta Sanches. “Acredito que este novo momento exige, além da criatividade, um olhar mais atento para os desejos, anseios e a realidade do consumidor, para realizarmos um trabalho com qualidade e oferecermos a melhor comunicação para as marcas, conquistando o coração dos consumidores”, diz o criativo.

Na era da comunicação líquida, ela se torna moldável. É o que pensa Guilherme Jahara, CCO da F.biz. “Entendemos que esse é o novo jeito de se pensar. Assim, conseguimos estar ainda mais atentos a evoluções e menos preocupados com formatos preestabelecidos. Tudo se mistura. Existe propaganda com cara de propaganda – isso ainda vai existir. Mas na F.biz, acreditamos que não é só isso”, reforça Jahara.

O design da nova propaganda é o mesmo da chamada velha e boa propaganda, nas palavras de José Henrique Borghi, co-CEO e COO da Mullen Lowe. “A nova propaganda é mais democrática que a velha. É mais fluida. É mais disruptiva entre os canais. É mais interdependente, coletiva. Por isso mesmo menos impactante individualmente. A força e efetividade dela se dá no conjunto das obras. Exige mais humildade, desprendimento e espírito aventureiro por parte dos criativos, que precisam ‘se coçar’ mais para acompanhar e se adequar a esta revolução cultural/digital. O que vai ser criado para preencher esses novos formatos é justamente onde moram os desafios criativos. Hoje podemos ser mais inventores que redatores, e isso é sensacional. O que não dá é pra acreditar que o algoritmo vai nos salvar. Ele tem de servir à ideia, não o contrário. Ou então, em pouco tempo, seremos todos funcionários da IBM, da Microsoft, ou pior, do Google”.

Estar abertos a novas possibilidades é o que recomenda Rafael Pitanguy, vice-presidente de criação da Y&R. “Se o big data, inteligência artificial e as redes sociais mudaram a forma como nos relacionamos e consumimos com todas as indústrias, é natural que a propaganda precise emprestar códigos destas novas tecnologias para continuar sendo atraente e menos intrusiva na vida dos usuários”, ele afirma.

Outra recomendação de Pitanguy é com as terminologias. “Não é de hoje que a publicidade luta para ser relevante justamente se transformando em conteúdo. Em 1985, Marty Macfly usava cuecas Calvin Klein no primeiro De volta para o futuro. Isso não era branded content? Em 2017, um curta criado pelo banco Santander da Espanha ganhou o Grand Prix de entretenimento em Cannes. Isso também não é branded content? O que transforma a publicidade em conteúdo é a sua qualidade e não o momento em que ela está sendo feita”.

Os copresidentes da Grey, Marcia Esteves e Rodrigo Jatene, estão convictos de que é a propaganda que não tem mais a mesma identidade. “A verdade é que a quantidade de formatos e canais de conteúdo disponíveis, somados à oferta de serviços e experiências de todos os tipos e funções, mudou completamente a forma como as pessoas vivem e, automaticamente, como se relacionam com as marcas. Naturalmente, a comunicação precisa entender e refletir essas mudanças para conseguir produzir propaganda que tenha uma ambição cultural clara, que seja interessante o suficiente para atrair a atenção e o desejo das pessoas”, raciocina Márcia. “Hoje, e cada vez mais, as pessoas têm o poder de escolher o que elas querem consumir. Quando consumir. E como consumir. E, nesse cenário, muitas vezes a propaganda deixa de ser uma escolha, se tornando uma interrupção. Por isso, nestes casos, atrai muito pouca ou nenhuma atenção. Ela incomoda, perturba, invade, tira o foco. Daí o sucesso do botão ‘pular esse anúncio’ para provar a teoria”, completa Jatene.

O maior asset de uma agência é produzir insights capazes de chamar a atenção dos clientes. Essa é a visão de Gustavo Bastos, CCO da 11:21. “Sem essa capacidade criativa de gerar ideias arrebatadoras, engraçadas, engajadoras, não adianta data, planning e inteligência artificial. Essas são as armas, e nós temos de ter a capacidade de gerar conteúdos que chamem a atenção, que saiam da paisagem. Esse é o nosso maior desafio e o mais instigante também”, avalia Bastos.

Edu Lima, ECD da Wieden+Kennedy, engrossa o coro de que não há um formato preestabelecido. Em sua avaliação, o novo design da atividade é a não propaganda. “Uma propaganda disfarçada de entretenimento, de conteúdo; uma propaganda não explícita. Um co-working. Uma propaganda que abrace as causas sociais, as diferenças, que vão contra qualquer tipo de preconceito”, ele destaca. “O consumidor quer fazer parte da história: ele não está interessado apenas em receber a mensagem. Ele quer dialogar. Quer interferir. Quanto mais a propaganda levar isso em consideração, maiores as chances de ela ser bem-sucedida. A boa propaganda nunca teve cara de propaganda. Mesmo se pegarmos os formatos mais clássicos da publicidade, como o velho e bom filme de 30 segundos, vamos entender que os melhores exemplos, os mais memoráveis, são aqueles que se parecem mais com entretenimento e menos com propaganda. São aqueles que contam uma história, que encantam, em vez de simplesmente vender os atributos de um produto”, acrescenta Renato Simões, também ECD da W+K.

Formato

Responsável por trabalhos como Nivea Doll, Joanna Monteiro, CCO da FCB, acredita que a propaganda tem de estar onde o consumidor estiver. “Não apenas no sofá em frente à TV ou ouvindo rádio”, ela resume. Joanna acrescenta: “A propaganda tem sim cara: de boa propaganda. Para mim, propaganda morna, que ganha só na frequência, vai acabar morrendo. A boa propaganda sempre contou boas histórias, entreteve, virou assunto. E, o melhor, hoje não tem mais formato. Pode ser série, pode ser filme, pode ser documentário, pode ser produto, pode ser uma experiência, pode ser game e pode ser um aplicativo. Cada vez mais, teremos de escrever bem e ter uma direção de arte nova, fresca, artística. A propaganda precisa voltar a ter excelência criativa. Mais do que nunca, precisa de grandes redatores e grandes diretores de arte”.
Gustavo Schmidt, vice-presidente de vendas e marketing da Volkswagen, coloca que o grande desafio da comunicação é construir uma mensagem capaz de entregar atitude da marca, posicionamento e suas qualidades.

“E em uma linguagem que faça sentido para o consumidor. Hoje, com o advento das multiplataformas, trabalhamos num universo em que o consumidor está sendo impactado por diversos canais e marcas, a todo o momento. O design dessa nova propaganda é aquele que consegue adequar a mensagem a novos formatos, nas diversas plataformas, que gere relevância em cada um deles. O objetivo é imprimir a mesma mensagem em cada um deles, respeitando os diversos perfis de consumo. Alguns formatos ainda têm cara de propaganda, pois os anúncios estão posicionados em espaços específicos a eles. Mas quando há oportunidade de criar novos formatos em outros canais, conseguimos produzir conteúdos que não têm a cara de propaganda tradicional, mas acabam entregando a mensagem da marca também de maneira efetiva”, explica Schmidt.

O executivo da Volkswagen prossegue: “Sempre precisamos ter mais criatividade do que ontem e amanhã precisaremos ter ainda mais, principalmente por verificarmos a cada dia uma maior variedade de públicos e de interesses. Todos os dias surgem novidades que chamam a atenção dos consumidores e precisamos acompanhar essas tendências e verificar a melhor forma de nos destacar nesses novos contextos”, pondera Schmidt.

Cliente da AlmapBBDO e da The Group Comunicação, a Volkswagen tem buscado novas linguagens e formatos. “Realizamos no ano passado o Virtual experience, uma experimentação diferente, com uma tecnologia nova, dos óculos 3D, em que criamos uma situação sem cara de propaganda. O público era convidado a ter uma experiência em 360 graus numa concessionária e também pôde realizar uma volta rápida ao lado de Rubens Barrichello sem sair de casa, com os óculos de realidade virtual. Levamos essas tecnologias também para o Salão do Automóvel, no fim do ano passado, em que milhares de pessoas puderam conhecer diversas tecnologias dos carros da Volkswagen por meio da realidade virtual. Mais recentemente, lançamos a websérie 01.09, que chamou a atenção do público, que não prestaria atenção em anúncio tradicional na TV ou na revista. A websérie foi sucesso de público. Seus capítulos somaram mais de 23 milhões de visualizações e tiveram um alcance de 72,6 milhões de pessoas”, relata Schmidt.

A propaganda não pode ter cara de chata. Essa é definição de Mariana Sá, diretora de propaganda da Rede Globo. “Propaganda sempre terá cara de propaganda. Acho importante essa transparência e, mais do que nunca, essa sinceridade. Todos os momentos exigem criatividade. Sempre surgiram e sempre surgirão novas mídias, novos hábitos e novos formatos. Já houve um tempo em que só existia poster, rádio… Hoje temos múltiplas plataformas. Então, naturalmente, o trabalho de integrar todas elas aumenta. Além do que, temos ainda novas métricas, novas tecnologias, e tudo isso muda a velocidade e a dinâmica da publicidade. Mas criatividade sempre será a alma da propaganda, só que cada vez com mais possibilidades”, finaliza Mariana.

Por Paulo Macedo em Propmark.

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